Viagem á Puna - Argentina.

Puna Argentina.

 

  O objetivo aqui é reunir um pouco de informações sobre nossa viagem a pedido dos amigos relatando o dia a dia com algumas fotos.

Dúvidas ou informações adicionais no linck.

Foram 3 Tigers 900 Rally (1 Pro) em 11 dias de viagem. Na planilha e nos vídeos parecia fácil, ledo engano

A viagem em si surgiu da minha vontade de fazer todos os Pasos do norte da Argentina, até hoje consegui carimbar Jama, Água Negra, San Francisco, Pircas Negras, Cristo Redentor e Pehuenche.Estavam nos planos Sico e Socompa mas veio a pandemia, assim que as fronteiras foram abertas retomei a ideia mas o Chile continuava complicando então montei um roteiro pela Puna com atrativos espetaculares que já havia mapeado antes e reforçado através de vídeos de youtubers motoviajeiros.
Viajeiros e seus equipos: Evandro - Rally 2020 Verde pneu traseiro Pirelli Rally STR e dianteiro Mitas E08; Roger - Rally Pro Preta 2022 combo Mitas E07 (traseiro Plus e dianteiro normal); Chalbuque - Rally 2022 Verde pneu traseiro Karoo 3 e dianteiro Mitas E08..... 

Eu optei por não usar baú traseiro pois tinha ficado muito pesado e notei um desequilíbrio que não gostei para a tocada off road. No decorrer da viagem vi que estava certo, optei pelos laterais de alumínio com uma bolsa estanque no banco do garupa. Ah, um mês antes dessa viagem eu e Chalbuque fizemos um treinamento off road com o pessoal da
Road Explorer que ajudou bastante na tocada nos trechos ruins e/ou péssimos.

Hotéis para 3 em Pesos:  Ita ibate - Piedra Alta 4.800 Santiago Del Estero - Centro 6.150 Cafayate - Tia Florita 6.750 Hualfin - Hosteria Municipal 4.500 El Penon - La Pomez 4.800 Antofalla - Casa dum local 6.000 Tolar Grande - Parador Llullaillaco 4.500 San Antônio de Los Cobres - Sumaq Samay 4.800 Presidência Roque Saenz Peña - Gualok 2.750 (cada um pois foram quartos individuais)
Barato, muito barato viajar pela Argentina. Compramos Pesos a 32, ou seja, cada real valia 32 Pesos. Num hotel ao trocar dólares conseguimos 20.000 Pesos por 100 Dólares. Ou seja, vale muito mais à pena trocar Dólar e não Real, vamos fazer uma cotação média de 36. Litro da gasolina entre 116 a 145 Pesos sendo que na média geral ficou em 118 por aí. Portanto gasolina a R$ 3,28. Um prato de Chorizo a Caballo na casa dos 1.200 Pesos, R$ 33,33. Salta litrão (informação importante) 400 Pesos, R$ 11,11. 
Hotéis para 3 em Pesos:  Ita ibate - Piedra Alta 4.800 Santiago Del Estero - Centro 6.150 Cafayate - Tia Florita 6.750 Hualfin - Hosteria Municipal 4.500 El Penon - La Pomez 4.800 Antofalla - Casa dum local 6.000 Tolar Grande - Parador Llullaillaco 4.500 San Antônio de Los Cobres - Sumaq Samay 4.800 Presidência Roque Saenz    Peña - Gualok 2.750 (cada um pois foram quartos individuais)  

Diário de viagem:
Primeiro dia Dia -
16/03 Chalbuque saiu de Pelotas um dia antes e dormiu no Roger, combinamos que eu encontraria eles lá em torno de 8 horas da manhã para seguirmos até Ita Ibaté na Argentina. Fiz 130 km até a casa do Roger e de lá partimos.   Viagem tranquila, estrada muito boa, nada digno de nota que eu me lembre. 820 kms no dia (pra mim, 690 pra eles). Chegamos na aduana Argentina e em 2 minutos já estávamos admitidos, dali em diante retões e retões por 2 dias.
Era cedo quando estacionamos no hotel e deu tempo de tomar 4 ou 5 Heineken litrão e pro Roger testar o drone. Na janta surubin a lá plancha. 
 

Dia 02 - 16/3 Partimos de Ita Ibaté para Santiago del Estero através das tediosas RN12, RN16 e RN89. Retões sem fim que tem de positivo render a km. Como não tínhamos pressa era 120 cravado no cruise control e poemas deslizando no asfalto excelente dessas rutas.Neste dia o calor pegou chegando perto de 36 na RN89 próximo de Santiago, nada comparado aos 45 que peguei no mesmo trecho em fevereiro de 2019 mas ainda assim um pouco incômodo. O pessoal da terceira idade já sentiu um pouco mais né Chalbuque.Nada que algumas cervejas e um bom chorizo a caballo não amenizasse.

 

Dia 03 - 18/3 Neste dia deveriam começar as aventuras off road pelas Cuestas Clavillo e La Chilca, na noite anterior vi a previsão do tempo e as condições não seriam nada boas com chuva, certa altitude, serra travada e ruta estreita sem pavimento. De qualquer maneira teríamos que fazer 200 km até certo ponto e assim resolvemos sair com esperança da previsão estar errada. Na verdade nem comentei com todos quão feia era a previsão, segurei a informação pra mim pois de qualquer forma o trecho mencionado deveria ser realizado. Nos primeiros Km tempo bom e muito agradável, ao longe víamos algumas nuvens que pareciam estar indo para a direção oposta, ufa. Chegamos em Termas de Rio Hondo e as nuvens já estavam mais presentes e escuras. Paradinha pra foto segue a ruta... rodamos uns 50 km e o tempo enfeiou, começou uma chuva muito forte antes de Concepcion (ponto no qual deveríamos definir se seguiríamos ou não), paramos no posto e numa conversa de 30 segundos decidimos abortar as cuestas off road e tocar para Cafayate. Subimos por Tafi del Valle e o começo da cordilheira já é um espetáculo mesmo com chuva, só passando lá para ter a sensação.
Almoçamos em Tafi e seguimos para Cafayate já sem chuva.
 

  Na subida para El Infernillo uma serração fudida, não se enxergava 5 metros na frente. Trecho muito tenso embora eu já conhecesse e tinha um capacete com pinlok funcionando perfeitamente. Chalbuque já sofreu bem mais por não conhecer a estrada e ter a viseira sempre embaçada. Chegamos nos 3.500 msnm do El Infernillo e a vista era nula, conforme descíamos foi abrindo abrindo até termos um belo céu azul e a primeira vista do Valle Calchaquies. Já passei 6 x nesse ponto e sempre é uma emoção quando vemos a (pré) cordilheira. Impressionante como El Infernillo divide exatamente o tempo de um lado para Tafi para o outro lado em Amaicha Del Valle. De longe da pra ver nitidamente as nuvens presas à montanha e por isso das 6 x que passei 5 estavam com tempo ruim. Nos estabelecemos em Cafayate e novamente mais uma bela janta. 

Dia 04 - 19/03      Devido à mudança de planos ocorrida no dia anterior decorrente das chuvas havíamos pré combinado de ficar duas noites em Cafayate. Mas durante a janta comecei a refletir mais sobre o dia seguinte e achei mais prudente darmos um giro pela 68   

Que é linda de manhã e na sequência tocar para Hualfin, retomando a parada original que estava no roteiro para este dia. Na mudança proposta no dia anterior iríamos de Cafayate direto para El Penon, achei que ia ser muito corrido e perderíamos as paradas foto e cinematográficas que encontraríamos no caminho para cumprir a km planejada. Novamente com 30 segundos de conversa os parceiros toparam ficar apenas uma noite em Cafayate para o dia seguinte retomar parte do roteiro original. Falando no original, a intenção era ter dormido em Andalgala e fazer a Cuesta das Capillitas que é muito bonita. Entretanto também pelas chuvas resolvemos não arriscar e portanto ficaram de fora as cuestas Del Clavillo, La Chilca e Capillitas, já tenho desculpa para voltar o mais breve possível. (Pra quem sai com dias contados - a meu ver - tem que ter algo      planejado, um dia ainda vou viajar sem qualquer planejamento e deixar as paisagens e rutas determinarem

  roteiro). Bueno, saímos para mostrar a 68 ao Chalbuque, Roger e eu já tínhamos rodado algumas vezes nessa Quebrada de Las Conchas mas como tudo na cordilheira não tem como enjoar de repetir belas paisagens. Não fomos até o fim da Quebrada, fizemos acho que 30% dela, algumas paradas para foto, teste com drone, visita a alguns pontos turístico do local.  Nos largamos para Hualfin pela fantástica e carismática Ruta 40 (meu plano é fazer toda ela em 2023, 5.021 Km só de 40). Paradinha pra comer empanadas preparada nas hora. Chegamos cedo em Hualfin e deu tempo pra catar cerveja numa Despensa local e claro uma boa janta.  Amanhã começam as verdadeiras aventuras.   

Dia 05 - 20/03 Uma vez que perdemos as Cuestas citadas anteriormente é hoje que a aventura começa de verdade. Saímos de Hualfin com destino a El Penon passando por paisagens fantásticas, estrada excelente e uns 30 km de Off. Um Off que parecia asfalto perto do que enfrentaríamos nos dias seguintes, em termos de rodagem foi um dia muito tranquilo.

Mas! nos planos estava visitar o Campo de Piedra Pomez, minha ideia inicial era chegar cedo na hosteria, largar as bagagens e ir de moto com ela sem qualquer peso extra. Pensamos e repensamos nessa estratégia, lembrei das fotos de um amigo que foi dias antes e caiu algumas vezes, gente que já se machucou e amarelamos, não tenho vergonha de repetir: amarelamos. Alugamos um passeio de 5 horas pela região no conforto de uma Ford Ranger, quando chegamos no caminho para o Campo vimos que foi a decisão mais acertada. É um caminho de 20 km de ida e mais 20 de volta arenoso que exige muito esforço e perícia técnica e não estávamos dispostos a correr riscos

  2.500 km longe de casa. Também visitamos o vulcão Carichipampa e uma laguna que não lembro o nome. O passeio em si embora cansativo foi compensado por paisagens exuberantes, o Campo de Piedra Pomez é imperdível.   


Dia 06 - 21/03 Lá vamos nós para mais um dia tranquilo com um offzinho de leve e grandes paisagens, certo? ERRADO. Paisagens grandio ideia era abastecer em Anfogasta de La Sierra e para lá seguimos, paramos várias vezes para apreciar e registrar a paisagem com nevados, vulcões, rochas vulcânicas, lagunas, de tudo um pouco. Catamarca tem 240 vulcões segundo o guia do dia anterior.  

Pois bem, depois de encher os olhos e a memória do celular com lindas paisagens chegamos em AFLS, abastecemos e seguimos para o destino final que seria Antofalla. Já na saída de AFLS começa a estrada de chão, piso firme, quase excelente com algumas costeletas mas nada grave. Com a confiança de um adolescente andava a 70, 80, 90 com tiros de até 110. O ritmo dos parceiros não era esse então parava algumas vezes para aguardar. Começamos a subir uma cuesta muito bonita e lá no alto encontramos um casal postado em cadeiras e uma mesa dobrável tomando seu café e curtindo o visual, foi uma bela imagem. As recorrentes paradas para foto continuavam assim como a ascensão para altitude, batemos 4.650 neste dia. Pra mim foi imperceptível pois felizmente já estou habituado, para o Roger o mesmo mas o Chalbuque já estava um pouco mais ofegante, nada grave. Até esse ponto o off estava de leve para mediano, as costeletas começaram a ficar mais próximas e os banquinhos de areia começaram a dar as caras. Depois do ponto mais alto da ruta começamos a descer e também começou a piorar bastante o estado da estrada.  

Costeletas cada vez maiores, mais próximas e com areia entre elas. A confiança juvenil permanecia, numa descida de uns 5 km bem ruim o bonzão estava lá em pé só sambando junto com a moto, frequentemente olhava pelo espelho e os parceiros ficavam para trás, aguardava um pouco e pau novamente. Ao final desta descida íngreme com piso bastante irregular haviam curvas, estava de certa forma rápido para tentar passar o mais breve pelos obstáculos deixando a suspensão da moto se virar e quando cheguei na primeira das curvas sequenciais cadê o freio? As três motos tiveram o mesmo comportamento: freios desapareceram. Dianteiro mesmo regulando no máximo para frente ainda assim batia na manopla e ninguém em casa. O traseiro até que estava mais útil mas tinha que afundar o pé. Ou seja, esta primeira curva foi um teste e tanto para a cueca, mesmo sambando, tentando frear e dando pataço no chão consegui vencer a curva. Mais tarde os amigos disseram que tiveram o mesmo problema e quase foram reto. Depois de respirar um pouco - ainda em movimento -  

reduzimos o ritmo e a cada poucos metros o piso ia piorando até que de repente deu uma folga, melhorou e depois de uma curva nos deparamos com o exuberante Salar de Antofalla, coisa linda. Paramos no mirante para contemplar, descansar e avaliar a situação de todos. A euforia pela beleza do lugar trouxe um certo conforto e uma calmaria para seguirmos. A cuesta que desce do mirante embora bem íngreme e estreita tinha um piso de certa forma bom para os padrões dos últimos km. Descemos devagar contemplando a vista não mais que 20 km/h. Depois que acabou a cuesta e invadimos o salar a ficha caiu com força: encontramos uma estrada que até então foi batizada como a pior da viagem. Costeletas, pedras e uns bancos de areia que chegavam facilmente a 15 cm de profundidade. A confiança embora menor continuava ali e eu seguia em pé lembrando dos fundamentos do curso, volta e meia uma escapada, retomada no motor, patada no chão e seguia. Já se passavam umas 5 horas que estávamos rodando,  

temperatura perto dos 30 graus no salar, tensão, suadeira, preocupação com os amigos, a cada poucos metros mirava no retrovisor pra ver se estavam bem. Numa dessas miradas me distraí, peguei um banquinho de areia, consegui recuperar mas a moto foi conduzida para uma mini jazida de areia na lateral da estrada e não deu outra, me fui ao chão. Fisicamente inteiro levantei, aguardei os amigos me ajudarem a levantar a moto pois sozinho naquele ambiente não seria possível. Na moto só espelho afrouxado e o pedal de freio deslocado, algo que consertei em 10 minutos em Antofalla. Ah, o tombo foi a 6 km de Antofalla. Onde foi parar a confiança juvenil? Sumiu. Calor, tensão, ego ferido, cansaço e tudo mais fizeram a tal confiança sumir. Felizmente ninguém mais caiu pois eles já estavam conduzindo com muito mais precaução que eu. Os 6 km faltantes foram feitos em 1 e 2 marchas caranguejando com os dois pés no chão. Foram os 6 km mais longos até então. 
Chegamos no pueblo com no máximo 200 pessoas, minúsculo, pra ter uma ideia só tem energia elétrica das 17 às 24. Eu havia previamente reservado acomodaçao numa hospedagem familiar e ao chegar lá uma senhora nada simpática me disse que não haviam passado para ela a reserva e que estava lotada. Mostrei a conversa do whatsapp mas não teve jeito, ela tava nem aí pra nós e num sotaque de espanhol com quechua me disse para tentar encontrar outro lugar. Começamos a rodar pelo vilarejo e a comunicação era bem difícil, nada a ver com o espanhol que se encontra nas cidades maiores, os nativos falam um idioma próprio rsrs. Encontrei um moço e pedi para ele se sabia de hospedagem, disse que não mas que ia ver com um vizinho. Eis que esse vizinho tinha construído um imóvel para alugar e que estava vago. Nos mostrou e aliviados obviamente aceitamos sem questionar nada, naquela altura uma cama bastava. O lugar era novinho e muito mais arrumado que a própria casa dele, as camas não eram um primor de conforto mas estava excelente, tinha banho quente, cozinha se quiséssemos fazer algo, enfim, o lugar estava ótimo. 
 

Ele nos cobrou 2.000 pesos por pessoa, naquela altura pagaríamos qualquer valor que fosse pedido. Voltar para Antofagasta de La Sierra estava fora de cogitação, seguir para Tolar Grande era muito arriscado pois não sabíamos que tipo de estrada nos esperava. Uma vez estabelecidos saímos para procurar o comedor da Marta, infelizmente ela não prepararia naquele momento mas num quartinho escuro ela tinha.provisões básicas para um viajero: água e cerveja. Prontamente tomamos umas Quilmes em temperatura ambiente. Não tem energia durante o dia, lembram né. Não importava, fazia uns 25 graus e aquela cerveja morna desceu muito bem. Voltamos à noite e a Marta nos preparou milanesa com tortija de quinoa, uma delícia para os padrões do local. No fim das contas passamos melhor do esperávamos. Esse dia foi punk, foi um choque de realidade. Lembram que aí pra trás falei que na planilha o roteiro era fácil?
Esse dia nos provou que não seria bem assim.
  

Dia 07 - 22/03 Depois de um belo café da manhã no comedor da Marta (ainda hoje não consigo escrever sem rir... abobado), nos preparamos para sair em direção a Tolar Grande por Antofallita.

Na noite anterior consultamos dois moradores e um amigo que tinha feito o trecho alguns dias antes, todos falavam para ir por Antofallita e não pela cuesta "alguma coisa". Segundo eles a vista era melhor pela cuesta mas por Antofallita a estrada estaria em melhores condições, "la maquina havia passado". A distância mudava coisa de 5 km por um caminho ou por outro. Confesso que a má experiência do dia anterior deixou marcas e passei a noite imaginando se enfrentaríamos algo parecido à chegada no Salar de Antofalla. Na hora de sair bateu um nervosismo típico de primeiro dia de viagem, eu sentia no ar e na conversa com os amigos que o sentimento era o mesmo: apreensão. Pois bem, não tínhamos opção senão encarar e lá fomos nós. A preocupação existia pelo fato de que circundaríamos o mesmo salar que me deu uma lição no dia anterior, os primeiros km mostraram que a preocupação fazia sentido. Embora a estrada não estivesse tão ruim ainda assim não permitia um ritmo legal, um misto de costeletas e bancos de areia menores estavam ali presentes. Quando melhorava um pouco e nos dava confiança para acelerar mais uma escapada de frente e uma patada no chão ativavam o modo cagaço e lá iam os três caranguejando pelo caminho. Depois de uns 15 ou 20 km as condições melhoraram e foi possível andar mais rápido, não muito, mas num ritmo bem melhor que do início do dia.

O problema de viajar em estrada ruim é que você não curte a paisagem como deveria, felizmente a gopro estava ligada e tenho gravada uma boa quantidade de horas que vai me dar trabalho pra editar. Enfim, ou se prestava atenção na ruta ou se olhava paisagem, não tinha como fazer as duas coisas sem correr o risco de ir ao chão novamente. Era um olho na ruta e outro ma o meno nas paletas de cores magníficas da cordilheira. Impressionante, não tem como cansar de olhar aquilo, tive a oportunidade de fazer algumas rotas variadas em viagens distintas e em todas elas a admiração estava presente. Tendo em vista a dificuldade e precaução que a rota exigia parávamos com certa frequência para hidratação e contemplação do cenário, não tem foto ou vídeo que represente a beleza que se vê. Muito bem, mesclando trechos ruins com mais ou menos chegamos em Antofallita e ali eu já esperava uma subida complicada por ter visto em alguns vídeos. Bingo, ali estava uma estradinha estreita com curvas bem fechadas e areia, muita areia. Não eram bancos profundos mas era aquela areia safada e gostosa que se o cabra pisca se vai. Vencemos a tal subida com precaução e aí nos deparamos com outro terreno, muito mais firme e com menos costeletas. A confiança adolescente do dia anterior deu lugar ao adulto de meia idade que gosta de brincar, neste trecho foi possível relaxar um pouco a tensão deixando o torque da Tiger 900 levantar poeira por vezes destracionando a roda traseira, o sorriso relaxado voltou.

Esse trecho de prazer e diversão durou alguns belos 25 Km, novamente eu parava frequentemente pois a empolgação me fazia abrir muita distância dos amigos e a regra básica é: sempre de olho em quem vem atrás. Estava eu lá curtindo a diversão quando ao longe vejo o Cono de Arita, principal atração do dia. Um misto de alívio, alegria, descarga de adrenalina e felicidade percorre o corpo. Quem viaja de moto e atinge um objetivo por vezes difícil sabe do que estou falando. A gente buzina, gesticula e canta sozinho no capacete. É mágico! Estava estranhamente bom demais, uns 20 km antes do cono o piso volta a ter as malditas costeletas e bancos de areia com mais frequência. Os últimos 5 km então foram terríveis, juro que pensei que como num desenho animado eu ia ficar somente com o guidão na mão tamanha vibração e bateção da moto. Duas opções: ou acelera e toca o ####-se ou vai na boa com prudência. Optei pela segunda alternativa e então novamente alguns poucos km pareciam dezenas. Passado o sufoco entramos numa estrada muito melhor, mas muito melhor. Parecia um asfalto ou uma terra muito bem compactada, era a estrada mantida pelas mineiras que exploram a região, 2 km dessa maravilha e chegamos no Cono de Arita, todos aqueles sentimentos que vieram à tona alguns km antes voltaram com a mesma - ou até maior - intensidade.

A atmosfera do lugar é muito bacana, tem alguma força especial lá e aí cada um entenda conforme sua crença. Curtimos o local, tiramos foto, voamos com o drone e então tomamos o rumo de Tolar Grande. Foram uns 60 km através do Salar de Arizaro naquele piso que por vezes se mostrava um pouco irregular mas permitia rodar sem sustos, deu até pra relaxar e aproveitar melhor a vista das lindas montanhas imponentes. Esqueci de mencionar mas depois de Antofagasta de La Sierra a princípio não se teria combustível até San Antonio de Los Cobres, por isso mesmo nesse piso tranquilo mantivemos um ritmo de 70 km/h para economizar nafta. Felizmente andar devagar naCordilheira não é sacrifício, é muito bom isso sim. Nos permite apreciar devidamente tudo que ela nos oferece em termos de belezas. E assim foi, girando roda, mirando as belezas e por vezes bailando na pista com a moto (aquele movimento de ficar levando ela de um lado para outro da faixa). Motoviajero quando faz isso é porque tá felizão.

Chegamos em Tolar Grande dentro do previsto e nos postamos a descansar, os últimos dois dias haviam mostrado uma realidade que nenhum de nós estava preparado para enfrentar. Esperava estrada ruim e dificuldade? Sem dúvida mas não no nível que encontramos. E aí novamente na terceira reunião de 30 segundos, optamos por abortar o último tramo de off que seria de Los Cobres a Susques. No dia seguinte ainda tínhamos 200 km de off até Los Cobres e sabíamos que seria o pior trecho de toda rota, só não sabíamos o quanto. rsrs Sábia essa decisão de abortar o último trecho off mas a explicação fica para o diário do dia seguinte. 

 Dia 08 - 23/03 Me perdi na sequência das datas nos posts anteriores mas a cronologia das histórias estão corretas. 

Depois da desistência do trecho de Los Cobres a Susques via 40 que seria no dia seguinte, hoje teremos a última etapa off da viagem. Nas minhas pesquisas seriam 160 km off e 40 km de asfalto e com esse número na cabeça saímos de Tolar em direção à San Antonio de Los cobres. Ruta muito movimentada desde Tolar Grande devido ao trânsito das equipes das minas e turismo bem mais presentes que nos dias anteriores. Literalmente foi um dia de comer poeira de todas as cores e espessuras. Logo na saída de Tolar Grande chegamos ao Ojos del Mar, linda formação geológica que apresenta crateras com água em meio ao salar.

Ritual cotidiano com contemplação, fotos, vídeos e drone ao vento. Saímos do local já na expectativa do que nos esperava e para surpresa de ninguém era uma ruta razoável com as nada saudosas costeletas e bancos de areia, nada tão acentuado como no dia anterior mas estavam ali. O ritmo era baixo. É chato ser repetitivo mas não tem como não registrar todo dia a beleza das montanhas e as variações que a natureza nos proporciona. Muito bem, lá vamos nós girando roda até chegar no acesso ao trecho conhecido como 7 curvas, para esquerda subiríamos uma enconsta e para direita era o caminho recomendado para caminhões com qualidade do piso muito melhor.

 Qual escolhemos? O pior é claro, eu queria passar pelas 7 curvas. Logo após a encruzilhada as maledetas costeletas voltaram a infernizar por uns 3 km mais ou menos, subimos as tais curvas e lá no alto nos deparamos com o esplendoroso Deserto del Diablo. Pessoal, os adjetivos pomposos não são exageros meus, as paisagens são assim mesmo e na dúvida vá conhecer pessoalmente rsrs. 

Novamente fotos, vídeos, nada de drone e muita contemplação. Já no início da descida do mirante algumas curvas fechadas com bastante areia vermelha, pelo menos as costeletas davam uma trégua. 

Descemos com todo cuidado tentando aliar a condução com contemplação em movimento que por vezes dava certo. Vencemos a descida e então alcançamos um chapadão que antecedia as formações rochosas do Deserto. Por alguns km as costeletas sumiram mas os bancos de areia continuavam ali presentes para não nos deixar relaxar totalmente. Ao chegar nas formações as costeletas voltaram a nos prestigiar. Fantástico circular por aqueles 7 ou 8 km por entre as rochas caprichosamente esculpidas pelo vento. Não temos muitas fotos mas filmei todo o trajeto. Ok, terminada mais essa etapa chegamos na RP27 que nos pesadelos do Roger seria a pior experiência da viagem. Para nossa surpresa não foi assim, retas enormes que somadas davam uns 40 ou 50 km até Pocitos... por dentro do Salar de mesmo nome. Novamente a empolgação voltou e conseguíamos manter um ritmo muito melhor pois as costeletas desaparecem - ou se esconderam para nos surpreender mais tarde - e assim vencemos muitos km em pouco tempo. 

Roger comentou que estavam muito melhor do que esperava, eu já tinha a esperança de seguir assim até Los Cobres. Eu tenho um ditado que é "Não crie expectativa que não terá frustração". Só que me esqueci desse ditado e a esperança carregada nos últimos km foi cuspida, chutada, espancada pelos piores 40 km de toda a viagem. Depois de Pocitos começa um trecho da 27 que é muito utilizado pelas mineiras então o trânsito de ônibus, caminhões, vans e pickups era altíssimo. 

Esse não era o problema, se fosse só trânsito e pó estaríamos loco de faceiros. Esses MALDITOS 40 km são formados por costeletas muito próximas, com aquela areia fofa no meio e ripio por cima, o pior pesadelo dum motoviajero. Perdi a conta das escapadas que eu dei e com os amigos não foi diferente. Demoramos 2 horas e meia para fazer 40 km, 2 horas e meia. Era primeira marcha, segunda marcha, caranguejando, muito raramente uma terceira e podia contar que se botasse terceira um banco de areia surgia do nada e nos fazia sambar. Todos estávamos contando com os 40 km finais de asfalto e pela nossa conta faltava pouco e era isso que motivava a seguir. Eu sinceramente tive um momento de esmorecida, reduzi o ritmo a quase zero, dois pés no chão e cabeça baixa. 

Prontamente o Roger percebeu e começou a puxar a fila, fez bem pois isso me obrigou a retomar a vontade e seguir. Vencemos os MALDITOS 40 km sem quedas e isso já era uma vitória. Chegamos na RN51 e cadê o asfalto? Cacete, cadê o asfalto? Não lembro da onde eu tirei que ali teria asfalto nem quem foi a fonte dessa informação. Resumindo, dos 200 km do dia 199,9 foram off tendo os 40 - já falei que são MALDITOS? - em destaque. Pelo menos na 51 conseguimos acelear um pouco mais, já era possível manter terceira e quarta mas mesmo assim tivemos alguns sustos. Eu mesmo quase fui pra fora da estrada duas vezes. Em determinado momento começou uma subida e na cordilheira temos outra máxima: depois da subida tem alguma cuesta e em 110% das vezes tais cuestas são bonitas. Não deu outra, chegamos na Cuesta Chorillos (acho que éisso). Coisa linda, bati poucas fotos mas filmei toda a descida. Descida esta que voltou a ser acompanhada de alguns bancos de areia ora pequenos, ora médios e lá de vez em quando uma jazida ou outra. Mais alguns sustos, outras patadas, caranguejadas e assim chegamos a Los Cobres. Cansados, moídos e frustrados por nunca ter encontrado os 40 km de asfalto prometidos hahahah. Inclusive já havíamos combinado durante os 40 Malditos de beijar o aguardado asfalto assim que chegasse... só que ele nunca chegou. Roger até nos parou para registrar o asfalto de Los Cobres mas aí eu já tava puto pela frustração da não existência daquele trecho final asfaltado que não tive vontade de registrar. Enfim em Los Cobres o alívio de encontrar ruta pavimentada. Posso dizer que matei a vontade de off e à noite na cama pensei que não iria querer mais essa experiência tão cedo. Mas como bom alemão motoviajero teimoso 2 ou 3 dias depois já estava pronto para fazer tudo de novo. Vício complicado esse de viajar e se aventurar. 

Dia 09 - 24/03 Tendo em vista os últimos 3 dias nesta manhã todos estávamos leves e despreocupados pois não haveria mais off. De Los cobres até minha casa, por exemplo, seriam 2.000 km 99,999% asfalto. Não foram 100% devido a minúsculos trechos da RN51 nos badenes onde a água dos rios, chuvas e degelo não deixam o asfalto inteiro. E falando da RN51, esse trecho entre Los Cobres e Salta era novidade para todos nós mas muito recomendado pelo Gilberto que tinha passado recentemente. Segundo ele a beleza era maior que na RN68 (Quebrada de Las Conchas), cabe registro que realmente essa descida é fantástica, asfalto impecável, paisagem exuberante e curvas deliciosas. Ingredientes que deixam a viagem pra lá de especial. Muitas paradas para fotos pois o trecho merecia e novamente tudo devidamente registrado na minha gopro com bateria infinita como diz o Roger. Abaixo deixo fotos de como usei a gopro, esse setup garantia horas e horas de gravação. Não tem muito o que falar a não ser: incluam esse trecho num próximo roteiro de viagem. 
Eu mesmo pretendo voltar fazendo o sentido contrário e aqui fica outra dica, quando se faz um roteiro pela cordilheira não é exagero nenhum repetí-lo em sentido contrário. Parece besteira mas dependendo do sentido da ruta as paisagens são exibidas de forma diferente. Não raro nos pegamos olhando boquiabertos para o espelho da moto. Passado esse trecho maravilhoso chegamos em Salta tomando a RN9, RN34 e depois a tediosa RN16 até Presidência Roque Sanez Pena. Finalmente recapearam os 45 km entre Taco Pozo e Monte Quemado, essa parte da ruta parecia um queijo e tomava mais de hora devido às crateras que ali existiam. Ainda restam alguns buracos antes de Taco Pozo e depois de Monte Quemado mas com cuidado pode-se passar tranquilamente. Horas de RN16 e finalmente chegamos em Saenz Pena, para não dizer que não teve perrengue nesse dia o Google Maps nos levou por um atalho (esse meu Maps é viciado nisso kkkk) e pegamos ruas alagadas por chuvas torrencias ocorridas horas antes onde a água por vezes batia no eixo da roda. Felizmente não pegamos essas chuvas. Nos hospedamos no muito bom e barato Hotel Gualok e jantamos aquele chorizo com huevos e papas que não pode faltar na Argentina. E, claro, muitas Saltas Rubia edição especial Cautiva.  

Dias 10 e 11 - 25 e 26/03 De Saenz Pena até em casa tem nada que mereça nota pois são 1.200 km de retas praticamente. Mas para dar o devido fechamento ao relato fica aqui o registro. Paramos em São Borja dia 25 e visitamos a filial da Jimmy Eagle do amigo Conti. Muitas histórias, 2 Pizzas e cervejas variadas. Nos despedimos e no dia seguinte cada um seguiu seu caminho.

    Obrigado pela parceria amigos! Enfrentar o que enfrentamos com somente uma queda boba é difícil. O balanço final é muito positivo.

      Chegando em casa:

 

  

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